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Foto do escritorVinicius Souza

A autodeterminação negra e o socialismo

Tradução e introdução por Vinicius Souza*


CLR James foi um dos mais influentes intelectuais negros do início do século XX, além de ser o autor do maior clássico sobre a Revolução Haitiana, manteve ligações políticas com o movimento marxista internacional e disputou os rumos da luta antirracista com figuras como Marcus Garvey.

Na imagem: CLR James (Pocket Magazine)

Em 1939, o líder bolchevique, Leon Trostsky estava vivendo no México após ter sido exilado por Joseph Stalin no auge da sua política de aparelhamento do socialismo soviético em nome da execução do seu projeto de governo. Apesar do autoritarismo fluindo do centro revolucionário do planeta, o exílio de Trotsky proporcionou que a influência do pensamento marxista sobre os movimentos populares fora da União Soviética ganhasse mais força, o que se demonstrou na incidência dos trotskistas no movimento negro estadunidense. 


Em passagens da obra ganhadora do pulitzer “Malcolm X: uma vida de reinvenções” do intelectual estadunidense Maning Marable, fica evidente a aproximação que este campo do marxismo estava fazendo com as ideias em disputa e confluência no movimento negro dos Estados Unidos, sobretudo na sua participação ativa nas palestras e eventos públicos promovidos por Malcolm X. 


A influência do trotskismo no movimento negro, não se limita a América do Norte. A bibliografia produzida sobre a história do Movimento Negro Unificado alerta para o fato de parte dos seus quadros serem oriundos da Convergência Socialista, organização trotskista com atuação no Brasil desde a década de 1970. 


O diálogo que aqui segue ocorreu em um cenário no qual Trotsky se reuniu com Cyril Lionel Robert James, mais conhecido como C.L.R. James, intelectual inigualável, jornalista, historiador e teórico indispensável do socialismo. Nascido em Trinidad e Tobago em 1901, se dedicou a pensar a libertação negra através do fim do capitalismo. Uma das suas obras mais conhecidas é o irretocável “The Black Jacobins: Toussaint L'Ouverture and the San Domingo Revolution” lançado em 1939, análise histórica da Revolução Haitiana.


Além de James e Trotsky, se soma ao diálogo Nathaniel Carlos Hudson, economista e militante sindical que colaborou em publicações trotskistas nos Estados Unidos como o The Northwest Organizer of Local e o conhecido Socialist Appeal onde assinava como Carl O'Shea. 


É com imensa alegria e honra que trazemos a tradução deste debate de 1939 com o objetivo de contribuir para o fortalecimento da interpretação antirracista das perspectivas de superação contra o socialismo. A importância de reaver esse diálogo se escancara na urgência de combater o avanço do neoliberalismo que busca universalizar uma forma de combate ao racismo que seja mediada não pela coisificação do modo de produção escravista, mas pelo mesmo processo mediado pela forma mercadoria.



C. L. R. James

Em conversa com León Trotsky e Nathaniel Carlos Hudson



Autodeterminação negra nos EUA


Coyoacán, México 4 de abril de 1939



TROTSKY: O camarada George[1] propõe que discutamos a questão negra em três partes, a primeira dedicada à questão programática da autodeterminação.


GEORGE (James): As propostas para  a questão dos  negros são diversas, e aqui é necessário somente abordar a questão da autodeterminação. Nada nega o direito dos negros a sua autodeterminação. A pergunta é se devemos defendê-lo. Em África e nas Índias Ocidentais[2] defendemos a autodeterminação porque a grande maioria das pessoas a reivindica. Em África, as grandes massas do povo consideram a autodeterminação como uma restauração de sua independência. Nas Indias Ocidentais, onde temos uma população de origem similar a dos negros dos Estados Unidos, se desenvolveu um sentimento nacional. Os negros são maioria ali. Já se escuta, entra as mais avançadas, a ideia de uma nação das Índias Ocidentais, e é muito possível que, supondo que ofereçam aos negros direitos plenos como cidadãos do Império Britânico, eles se oporiam e desejariam ser absolutamente livres e independentes... É progressivo. É um passo na direção correta. Nós enfraquecemos o inimigo. Coloca os trabalhadores em posição de progredir a grandes passos rumo ao socialismo.


Nos Estados Unidos a situação é diferente. O negro aspira desesperadamente a converte-se em cidadão estadunidense. Ele diz: “Estou aqui desde o começo; eu fiz todo o trabalho desde os primeiros dias. Os judeus, polacos, italianos, suecos e outros vem para cá e tem todos os privilégios. Dizem que alguns dos alemães são espiões. Nunca serei um espião. Não tenho para quem espionar. E, ainda assim, me excluem do exército e dos direitos de cidadania”.


Na Polônia e na Cataluña existe uma tradição de língua, literatura e história que se soma à opressão econômica e política e ajuda a unir a população ao redor desta reivindicação progressista de autodeterminação. Nos Estados Unidos não é assim. Vamos ver certos eventos históricos do desenvolvimento dos negros na América do Norte.


Garvey[3] criou o lema "Volta à África", mas os negros que o seguiam em sua maioiria não acreditavam que realmente iriam voltar à África. Sabemos que aqueles que o seguiam nas Índias Ocidentais não tinham a menor intenção de retornar à África, mas estavam satisfeitos de seguir um líder militante. Este é o caso de uma mulher negra que foi empurrada por uma mulher branca em um ônibus e reagiu: “Espera que Marcus chegue ao poder, vocês serão tratados como merecem”. Obviamente ela não estava pensando na África.


Havia essa concentração nos problemas dos negros simplemente porque os trabalhadores brancos em 1919 não haviam avançado. Não havia uma organização política com alguma expressão que chamasse os negros e os brancos a unir-se. Os negros acabavam de voltar da guerra: militantes e sem receber nenhuma oferta de ajuda; por isso se concentraram em seus propios assuntos.


Deve ser mencionado ademais que, quando em Chicago ocorreu um distúrbio racial, foi provocado deliberadamente pelos patrões. Logo antes de explodir, os trabalhadores da indústria alimentícia, brancos e negros, entraram em greve e desfilaram pelo bairro negro de Chicago onde a população negra aplaudiu os grevistas brancos da mesma maneira que aplaudiram os negros. Para os capitalistas, esse era um fenômeno muito perigoso e decidiram por fomentar conflitos raciais. Em uma etapa posterior, carros com pessoas brancas em seu interior, atacaram o bairro negro atirando em tudo o que viam. A imprensa capitalista usou as diferenças impostas pelos conflitos raciais e causou o início dos distúrbios com o objetivo de dividir a população e levar os negros a se fecharem em si mesmos.


Durante o período de crises, houve o renascimento desses movimentos nacionalistas. Houve um movimento pelo Estado número 49 e assistimos ao movimento em torno de Libéria[4]4. Esses  movimentos tiveram uma importância real pelo menos até 1934.


Logo, em 1936, ele resultou na organização do CIO[5]. John L. Lewis nomeou um departamento especial para os negros. O New Deal fez os negros avançarem. Negros e brancos combateram juntos em varios conflitos. Estes movimentos nacionalistas tenderam a desaparecer na medida em que os negros viram a oportunidade de lutar com os trabalhadores organizados e ganhar algo.


O perigo, se defenderemos e divulgaremos uma política de autodeterminação, é que essa seria a forma mais segura de dividir e confundir os trabalhadores do Sul. Os trabalhadores brancos possuem séculos de preconceito a superar, mas hoje muitos deles trabalham com negros no sindicato de meeiros do Sul, e com o aumento da luta, existe a posibilidade de que possam superar esses prejuizos ancestrais. Mas exigirmos que os negros tenham o seu próprio Estado é pedir demais aos trabalhadores brancos, especialmente quando os próprios negros não levantam esta reivindicação. Os slogans da “abolição da dívida”, “confisco das grande propriedades”, etc., são perfeitamente suficientes para levá-los a lutar juntos e, sobre a base da luta econômica, levar a uma luta conjunta pela abolição da discriminação social.


Para tanto, proponho concretamente: (1) Estamos a favor do direito à autodeterminação. (2) Se surgir alguma demanda entre os negros pela autodeterminação, devemos apoiá-la. (3) Não abrimos mão do nosso caminho para fazer conhecer esse projeto e levantar uma barreira desnecessária entre nós e o socialismo. (4) É necessário estudar esses movimentos: o dirigido por Garvey, o movimento pelo Estado 49, o movimento centrado na Libéria. Descubrir quais grupos da população os apoiam e, sobre esta base, estudar em que medida existe entre os negros essa reivindicação pela autodeterminação.


HUDSON: Me parece que o problema pode ser dividido em várias fases diferentes: sobre a questão da autodeterminação, creio que está claro que, enquanto estamos a favor da  autodeterminação e até mesmo da independência, isto não significa necessariamente que estamos pela independência. Estamos porque, em certos casos e em certos lugares, as pessoas têm o direito de decidir por si mesmos se serão independentes ou não, o que os acordos especiais do governo devem fazer com o resto do país.


Sobre a questão da autodeterminação ser, necessariamente, reacionária, creio que é ir longe demais. A autodeterminação para várias nações e grupos não se opõe a um futuro mundo socialista. Creio que o tema foi tratado em uma controvérsia entre Lenin e Piatakov[6] desde o ponto de partida da Rússia: a autodeterminação dos diversos povos da Rússia quando ainda estávamos construindo um país unificado. Não existe, necessariamente, uma contradição entre os dois. A sociedade socialista não se construirá sobre povos submetidos, mas sim por um povo livre. O caráter reacionário ou progressivo da autodeterminação será determinado pela pergunta a se fazer sobre o avançar da revolução social. Esse é o critério.


Sobre o que foi dito, que não deveríamos defender algo se as massas não o desejam, isso é um equívoco. Não defendemos as coisas só porque as massas as desejam. A questão fundamental do socialismo entraria nessa categoria. Nos Estados Unidos, somente uma pequena porcentagem da população quer o socialismo, mas ainda assim o defendemos. Podem querer a guerra, mas vamos nos opor. As perguntas que temos que resolver são as seguintes: ajudará na destruição do imperialismo estadunidense? Se tal movimento surgir, a população irá querer isso na medida em que a situação se desenvolva?


Creio que esses movimentos nacionalistas que você falou que existem há anos e que em cada caso a luta foi levada a cabo por um punhado de pessoas, mas no momento de crise social, as massas se uniram a tais movimentos. O mesmo pode suceder com relação a autodeterminação dos negros.


Me parece que o chamado “cinturão negro”[7], é a fração superexplorada da economia estadunidense. Possui todas as características de uma parte subjugada de um império. Tem toda a pobreza extrema e desigualdade política. Tem a mesma estrutura financeira: Wall Street explora os elementos pequeno burgueses e, por sua vez, os trabalhadores pobres. Representa simplesmente um campo de inversão e uma fonte de lucro. Tem as características de parte de um império colonial. Assim mesmo é essencialmente um assunto regional, já que os brancos também se viram obrigados a experimentar um sentimento muito sensível contra o capital financeiro.


Também seria interessante estudar o possível desenvolvimento futuro da questão negra. Vimos que, quando os negros foram trazidos para o Sul, se estabeleceram ali por muitas décadas. Quando chegou a guerra, muitos foram para o Norte e ali constituíram parte do proletariado. Essa tendência já não pode funcionar. O capitalismo já não se expande como antes. De fato, durante a depressão[8], muitos deles voltaram para as fazendas. É possível que no lugar de uma tendência em migrar, agora haja uma tendência para que os negros permaneçam no Sul.


E existem outros fatores: a questão dos colhedores de algodão, significa que milhares de trabalhadores serão despedidos.


Para voltar à questão da autodeterminação. Existe a possibilidade de que, em meio a crise social, a radicalização passe a uma nova fase: junto com a luta pela igualdade econômica e social, podemos encontrar a demanda de controle de seu próprio Estado. Inclusive na Rússia, quando os bolcheviques chegaram ao poder, o povo polaco não estava convencido de que isso significava para eles o fim da opressão. Reivindicavam o direito a controlar a sua maneira o seu próprio destino. Esse processo é possível no Sul.


Os outros temas são importantes, mas não creio que sejam fundamentais: que uma nação deve ter seu próprio idioma, cultura e tradição. Até certo ponto, eles desenvolveram a sua própria cultura. Em qualquer biblioteca pública é possível encontrar livros (ficção, antologias, etc.) que expressam um novo sentimento racial.


Agora, do ponto de vista dos Estados Unidos, a retirada do “cinturão negro” significa o enfraquecimento do imperialismo estadunidense de um grande campo de investimento. É um golpe a favor da classe trabalhadora estadunidense.


Me parece que a autodeterminação não se opõe à luta por igualdade social, política e econômica. No Norte, essa luta é imediata e a necessidade é alta. No Norte, a palavra de ordem pela igualdade econômica e política é uma ferramenta de agitação, uma questão imediata. Do ponto de vista prático, nada sugere que levantemos a palavra de ordem da autodeterminação como agitação, mas como um slogan programático que pode voltar-se para a agitação no futuro.


Existe outro fator que poderia ser considerado psicológico. Se os negros pensam que esta é uma tentativa de segregá-los, então seria melhor não lançar essa palavra de ordem até que estejam convencidos que não é o caso.


TROTSKY: Não entendi muito bem se o camarada James propõe eliminar o tema da autodeterminação para os negros do nosso programa político ou só que não devemos dizer que estamos prontos para fazer todo o possível pela autodeterminação dos negros se eles a desejam. Quer o eliminemos ou não, é um problema que diz respeito ao partido no seu conjunto. Estamos preparados para ajudá-los, se é o que desejam. Como partido não podemos permanecer absolutamente neutros nisso. Não podemos dizer que seria reacionário. Não é reacionário. Não podemos dizer que estabeleçam um Estado porque isso debilita o imperialismo e, portanto, seria bom para nós, os trabalhadores brancos. Isso seria contra o internacionalismo. Não podemos dizer a eles: “Fique aqui, mesmo pelo preço do progresso econômico”. Podemos dizer: “É sua decisão. Se vocês desejam tomar uma parte do país, está bem, mas não queremos decidir por vocês”.


Creio que as diferenças entre as Índias Ocidentais, Cataluña, Polônia e a situação dos negros nos Estados Unidos não sejam tão decisivas. Rosa Luxemburgo[9] foi contra a autodeterminação da Polônia. Ela pensava que era reacionário e fantástico, tão fantástico como exigir o direito a voar. Isso demonstra que ela não possuía a imaginação histórica necessária neste assunto. Os proprietários de terra e representantes da classe dominante polaca também se opuseram à autodeterminação por seus próprios motivos.


O camarada James usou três verbos: “apoiar”, “defender” e “inserir” a ideia de autodeterminação. Não proponho que o partido defenda, não proponho que insira no nosso programa, mas que proclame somente nosso dever de apoiar a luta pela autodeterminação, se os próprios negros a quiserem. Não se trata de nossos camaradas negros. Se trata dos 13 ou 14 milhões de negros. Eles não têm muita clareza sobre o que querem agora e devemos lhes dar um crédito para o futuro. Eles decidirão.


O movimento de Garvey é interessante, mas demonstra que devemos ser cautelosos e não devemos nos conformar no status quo. A mulher negra que disse à mulher branca: “Espera que Marcus chegue ao poder e vocês serão tratados como merecem”, simplesmente expressa seu desejo de um Estado próprio. Os negros estadunidenses se reuniram sobre a bandeira do movimento “Volta à África” porque lhes parecia uma realização possível de seu desejo de um lugar próprio. Na verdade, não queriam ir para a África. Era a expressão de um desejo místico de um lugar no qual estivessem livres do domínio dos brancos, em que eles mesmos pudessem controlar o seu próprio destino. Também era um desejo de autodeterminação. Esse desejo já foi expressado por alguns na forma religiosa e agora toma a forma de um sonho de um Estado independente. Aqui nos Estados Unidos, os brancos são tão poderosos, tão cruéis e ricos que os pobres arrendatários negros não se atrevem a dizer, nem sequer a si mesmos, que querem tomar para si uma parte de seu país. Garvey falava com fervor, tudo era bonito e tudo seria maravilhoso. Um psicanalista dirá que o verdadeiro conteúdo deste sonho era o desejo de ter sua própria casa. Não é um argumento a favor de inserir a ideia. É só um argumento que permite prever a possibilidade de dar aos seus sonhos uma forma mais realista.


Se o Japão invade os Estados Unidos e os negros são chamados a lutar, podem chegar a sentir-se ameaçados primeiro por um lado e logo pelo outro, e finalmente conscientes podem dizer: “Não temos nada a ver com nenhum de vocês. Teremos nosso próprio Estado”.


Mas o Estado negro poderia entrar em uma federação. Se os negros estadunidenses conseguirem criar o seu próprio Estado, estou seguro que depois de uns anos de satisfação e orgulho por sua independência, sentirão a necessidade de ingressar em uma federação. Mesmo a Cataluña, que é uma província muito industrializada e altamente desenvolvida, se tivesse alcançado a sua independência, teria sido apenas um passo em direção a uma federação. [...]


Existe outra alternativa para o sucesso revolucionário. É possível que o fascismo chegue ao poder com seu delírio racial e sua opressão, e a reção dos negros seja em direção à sua independência racial. O fascismo nos Estados Unidos se dirigirá contra os judeus e os negros, mas particularmente contra os negros, e da maneira mais violenta. Se criará uma condição “privilegiada” para os trabalhadores brancos estadunidenses sobre as costas dos negros. Os negros fizeram o possível para se converterem em uma parte integral dos Estados Unidos, tanto psicológica como políticamente. Devemos prever que sua reação demonstrará sua potência durante a revolução. Entraram com grande desconfiança sobre os brancos. Devemos permanecer neutros neste tema e manter a porta aberta a todas as possibilidades ao mesmo tempo que prometemos todo nosso apoio para que possam criar seu próprio Estado independente.


Até onde tenho conhecimento, me parece que a atitude do PC[10] de fazer disso um dos nossos temas era falsa. Era como se os brancos estivessem dizendo aos negros: “Você deve criar o seu próprio gueto”. É uma falta de tato e uma ideia falsa, e só pode causar rejeição entre os negros. Só podem interpretar isso como a vontade dos brancos de se separarem dos negros. Nossos camaradas negros, por óbvio, possuem o direito de participar mais intimamente no desenvolvimento dessas discussões. Nossos camaradas negros podem dizer: “A Quarta Internacional[11] disse que se desejamos ser independentes, nos ajudará de todas as formas possíveis, mas que a escolha é nossa. No entanto, eu, como membro negro da Quarta, sustento que devemos permanecer no mesmo Estado que os brancos, etc". Podem fazer parte da formação de uma ideologia racial e política dos negros.


JAMES: Estou muito contente de ter tido essa discussão, porque estou totalmente de acordo com você. Me parece que esta é a ideia que nos Estados Unidos devemos defender como fez o PC. Creio que você pensa que existe uma maior possibilidade de que os negros queiram a autodeterminação do que eu acho ser provável. Mas temos um acordo de cem por cento com a ideia que você traz de que devemos ser neutros com o desenvolvimento desta questão.


TROTSKY: É a palavra “reacionário” o que me incomodou.


JAMES: Me permita citar o documento: "Se os negros quiserem a autodeterminação, então, por mais reacionário que possa ser em todos os demais aspectos, dependerá do partido revolucionário lançar esta palavra de ordem”. Considero que a ideia da separação é um passo atrás quando se trata de uma sociedade socialista. Se os trabalhadores brancos se aproximarem dos negros, eles não vão querer autodeterminação.


TROTSKY: É muito abstrato, porque a realização deste objetivo só pode ser alcanaçada quando os 13 ou 14 milhões de negros concluírem que a dominação dos brancos chegou ao fim. Lutar pela possibilidade de criar um Estado independente é um sinal de um sério despertar moral e político. Seria um tremendo passo revolucionário. Esse avanço teria imediatamente melhores consequências econômicas.


HUDSON: Creio que seria possível fazer uma analogia com relação às coletividades e a distribuição de grandes propriedades. É possível considerar que a divisão de grandes propriedades em pequenas  parcelas é reacionária, mas isto não é, necessariamente, assim. A questão é saber se os camponeses querem explorar essas áreas de forma colectiva ou individual. Aconselhamos aos camponeses, mas não os forçamos, depende deles. Alguns diriam que a divisão das grandes propriedades em pequenas parcelas seria economicamente reacionária, mas isso não é bem assim.


TROTSKY: Essa foi também a posição de Rosa Luxemburgo. Ela defendia que a autodeterminação seria tão reacionária como a ruptura das grandes propriedades.


HUDSON: A questão da autodeterminação também está ligada à questão da terra e deve ser considerada não só em suas manifestações políticas, mas também econômicas.


*Vinicius Souza é historiador, especialista em Direitos Humanos e Lutas Sociais. Estuda e escreve sobre os temas da filosofia política e história social brasileira. Tradutor e curador do livro “Há uma Revolução Mundial em andamento: discursos de Malcolm X” (LavraPalavra Editorial). 


[1] George era um dos pseudônimos utilizados por C.R.L. James


[2] Esse conceito se refere às regiões das Bahamas, Grandes e Pequenas Antilhas e ilhas do sul do Caribe onde o colonialismo britânico estendeu os seus tentáculos.


[3] Marcus Garvey, militante negro nascida na Jamaica em 1887, foi o fundador em 1917 da Universal Negro Advancement Association (Associação Universal para o Avanço do Negro) que ganhou contorno de massa pelo mundo a partir dos Estados. Durante o contexto do início do século XX, o garveyismo propôs uma saída ultranacionalista sob a bandeira da “Volta à África”.


[4] O movimento de “Volta à África” previa a Libéria como o primeiro país a ser ocupado pelos negros estadunidense.


[5] Congress of Industrial Organizations.


[6] Vladimir Ilyich Ulianov, mais conhecido como Lênin, foi um revolucionário comunista, político e teórico político russo que liderou a Revolução de Outubro de 1917 e a União Soviética de 1922 até sua morte e Georgi Leonidovitch Piatakov, também conhecido como Kievski, Lialin, Petro e Iapontets, foi um líder revolucionário bolchevique e, posteriormente, membro da Oposição de Esquerda ao regime stalinista.


[7] Definição utilizada para às áreas do sul dos Estados Unidos onde a escravidão historicamente predominou.


[8] A depressão refere-se a crise de 1929, quando a bolsa de valores de Nova York colapsou e levou a maior crise econômica da história do capitalismo e a sua primeira grande crise mundial.


[9] Rosa Luxemburgo foi uma filósofa e economista marxista polonês-alemã. É, historicamente, conhecida como uma das maiores intelectuais marxistas do início do século XX.


[10] Communist Party of the United States of America.


[11] A Quarta Internacional é uma organização comunista fundada por Leon Trotsky em 1933 com o objetivo de internacionalizar a revolução socialista em oposição à Terceira Internacional.



Referências 


DOMINGUES, Petronio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos histó-

so em: 15 de jul. 2020.


MARABLE, M. Malcolm X: uma vida de reinvenções. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.



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