Por Márcio Paulo*
Protesto em Maputo convocado pelo candidato presidencial de Moçambique Venâncio Mondlane contra o resultados das eleições
As eleições presidenciais em Moçambique rumam para um desconhecido que é amplamente conhecido no Brasil. Uma eleição presidencial como a que foi vista em 2018 nunca antes tinha sido motivo de tanto agito e desordem social e política.
Dois projetos antagônicos não só nos discursos, mas também em todo seu entorno, desde os seus apoiadores a seus eleitores, as diferenças sobressaíram de tal forma que a palavra da moda foi “polarização” como se existisse dois lados de um mesmo espectro que se repelem com tal violência que não se distanciavam.
As eleições de 2018 no Brasil trouxeram um novo governo, que diferente de tudo que vivemos, trouxe incertezas e certezas da destruição das camadas mais pobres de todo o país. Os impactos do governo Bolsonaro na sociedade são incrivelmente superiores numa ótica social que foi maquiada por uma pandemia e um lockdown que praticamente interromperam seus retrocessos enquanto várias e várias pessoas perderam suas vidas.
Em Moçambique, uma nova eleição convocada para o mês de Outubro trouxe à tona mais uma vez aquilo que vivemos em 2018, dois projetos díspares: de um lado a situação comandada pela Frente de Libertação de Moçambique (FREELIMO), que é o partido no poder desde a conquista da Independência de Moçambique em 25 de Junho de 1975, Independência essa conquistada de Portugal, com a arquitetura e planejamento do primeiro presidente da República Popular de Moçambique, Samora Machel.
Desde 1975, o FREELIMO, tem o poder presidencial de Moçambique, mesmo depois da morte do seu principal líder e também o rompimento com os ideais socialistas depois da queda da URSS. Em 1990, com Joaquim Chissano na cadeira presidencial, apoiou uma revisão na Constituição do país e retirou a ideologia marxista e o refundou com o nome de República de Moçambique, rumou para social-democracia e recebeu o apoio de Margaret Thatcher para esta guinada à direita.
Então desde o início dos anos 90, o grupo revolucionário que Samora Machel fundou, deixou de ter em sua ideia principal o rompimento com as classes dominantes e seus algozes colonialistas.
Em um panorama é possível perceber que a população moçambicana está há anos com o mesmo grupo no poder, mesmo quando suas ideias e atitudes tenham mudado ao longo do tempo, pois sempre foi questionado a oposição a esse modelo de gestão. Por vezes a ideia de segurança foi passada nessas eleições, mesmo com um novo candidato a presidente, a ideia de uma mudança ser algo abissal sempre manteve o povo em seus domínios.
Nessas eleições um nome surgiu como potencial para que pudesse mudar com um propósito firme e relembrando velhos guerreiros e guerreiras que lutaram pela independência do país: Venâncio Mondlane, candidato independente apoiado pelo partido Podemos (Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique). Do outro lado, Daniel Chapo foi o candidato da FREELIMO, que defende as causas de um partido apontado para a direita. Ele sucede a Filipe Nyusi, o presidente atual que cumpriu seus dois mandatos consecutivos. Daniel Chapo é advogado e político, considerado vencedor das eleições mesmo que de forma contestada, será o primeiro presidente nascido após a independência do país.
Os resultados de toda eleição foram e estão sendo questionados. Listas infladas, confusão na votação, denúncias de fraudes sucessivas, ameaça de greve, mortes suspeitas do advogado de Venâncio Mondlane e outro advogado do partido Podemos - os crimes foram cometidos na calada da noite, interceptados no carro que estavam. As mortes se tornaram motivos de sucessivos protestos e o questionamento aos autores.
Ainda na data de hoje Moçambique passa por um momento de instabilidade institucional, o partido no poder desde a independência de Moçambique, declarou-se vencedor das eleições, mesmo com os observadores internacionais apontando contrário, indicando um possível inflacionamento da contagem de votos. Uma forte repressão policial também é vista nos arredores da capital de Moçambique, Maputo.
Ainda não é possível mensurar o tamanho dessas eleições para todo o continente africano. Denúncias de censura policial e uma possível greve geral convocada por Mondlane são parte do cenário geral.
Com isso vemos um avanço da opressão policial não apenas em Moçambique, mas em todo continente, eleições com possibilidades de fraudes e a força reacionária cada vez mais presente em nossos dias. A FREELIMO que conhecemos com Samora Machel já não existe há muito tempo, o partido que existe hoje no poder é algo totalmente contrário a sua fundação.
Esse é mais um exemplo de como no mundo todo, de uma forma até assustadora, o modus operandi de candidatos conservadores e a direita de uma mesa política constroem seu pensamento em cima da repressão e opressão. Nas ruas de Maputo foram proibidas as manifestações e a internet foi limitada em todo o país, apenas manifestações silenciosas têm realizadas, e tudo isso lembra em várias proporções e semelhanças o que foi passado e acontecido aqui no Brasil, com a ascensão de uma extrema direita, covarde e aniquiladora de esperanças por dias melhores.
*Márcio Paulo é comunicador e pesquisador, membro da Clio Operária e do Ponta de Lança podcast, pesquisador sobre música e cultura no continente africano e sua diáspora.
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